segunda-feira, 29 de maio de 2017

Sobre o filme «A Imperatriz Yang Kwei Fei» de Kenji Mizoguchi, 1955


















Pedro e Inês, Romeu e Julieta, Tristão e Isolda. 
Todas as histórias ancestrais de amor consequente-inconsequente são, no fundo, fábulas políticas.
Também o amor do viúvo imperador Shuan Tsung e da belíssima ajudante de cozinha imperatriz Yang Kwei Fei.
O amor tenta impor, a sociedade mais tarde vem e dispõe.
É o mundo perfeito para Mizoguchi que vai buscar a história à mitologia chinesa. E o mundo de Mizoguchi é o mundo da perfeição e da beleza, da razão e do querer, da aura e do poder femininos.
Esta é uma história de encantar desencantando. De uma estética exemplar sobre a moral mais arrebatadora. A cena final em que a corda é substituída pelo lenço de seda branca entregue pelas mãos da própria imperatriz sacrificada é o símbolo do maior poder da devoção que é, em simultâneo, a maior dádiva pela paz de uma sociedade.
A nada a imperatriz cede a sua ética. Amor e intransigência moral.
Qualquer coisa de puro e essencial, de divinamente humano está contido nesta história.
Uma fábula humana bela e perfeita.

jef, maio 2017

 «A Imperatriz Yang Kwei Fei» (Yokihi) de Kenji Mizoguchi. Com Machiko Kyo, Mori Masayuki, Yamamura Sô, Kakae Ozawa, IsaoYamagota, Yoko Minamido, Noboro Kiritachi, Chieko Murata, Michiko Ai, Eitaro Shindo, Tatsuya Ishigura. Japão, 1955, Cores, 91 min.

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Sobre o filme «Rua da Vergonha» de Kenji Mizoguchi, 1956


















O prodígio deste filme revela-se na imagem escolhida para o seu cartaz. 
Tudo é belo. Tudo é sério. Tudo é efémero. 
Estamos em Tóquio, na «Casa dos Sonhos», em Yoshiwara, em 1956, durante mais uma discussão parlamentar sobre a lei da prostituição. Estamos no ano da morte de Mizoguchi. É o seu último filme.
Na imagem, que tudo contém, falta a virgem-quase-criança que vai ser iniciada e com que o filme termina. A mais extraordinária cena de maquilhagem, a mais tensa cena de fuga, medo, expectativa e sedução. Mesmo antes de aparecer no ecrã a palavra fim.
Nesta história de prostituição não existe comiseração e as tragédias (estão ali todas) são vistas de forma múltipla, exterior e circunstanciada, apesar de assistirmos a tão poucas cenas fora da «Casa dos Sonhos».
Dir-se-ia que é um filme neo-realista dada a força e o modo como os temas são introduzidos em torno das histórias das seis mulheres. Mas não é neo-realista. Aqui não existe julgamento e moral, teoria ou método. Aqui, todas as histórias têm dois lados: Yoshiwara é igualmente um local de refúgio, onde a alegria e o ordenado vindos do sexo (aqui nada é observável) ajuda a compensar uma sociedade que, do lado de fora, é 100 vezes mais inóspita.
Todo o mundo está na «Casa dos Sonhos» e vemo-lo de um modo tão cruamente estilizado que é impossível não sorrirmos e não nos comovermos ao mesmo tempo.
Sublinho: este é um filme sobre a natureza humana, a sociedade, a lei da prostituição, a «má vida», os afectos e a força no feminino. Toda a alma do cinema de Kenji Mizoguchi está dentro do olhar das cinco mulheres neste cartaz.
Este filme é maravilhosamente poderoso!

jef, maio 2017

«Rua da Vergonha» (Akasen Chitai) de Kenji Mizoguchi. Com Machiko Kyo, Aiko Mimasu, Ayako Wakao, Michiyo Kogure, Kumeko Urabe, Sadako Sawamura, Eitarô Shindô, Yosuke Irie, Kenji Sugahara, Yasuko Kawakami, Hiroko Machida, Toranosuke Ogawa. Japão, 1956, P/B, 84 min.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Sobre o filme «A Senhora Oyu» de Kenji Mizoguchi 1951



















«A Senhora Oyu» é de uma raridade absoluta.
Um filme absolutamente belo e absolutamente triste sobre um triângulo amoroso onde apenas o amor, o amor mais puro, existencial, espiritual, essencial, vai ficando sublinhado na alma e nos olhos de quem o contempla. Este é um filme para ser contemplado!
Se existe definição para o Amor, ela está aqui contida e absorve a sua totalidade.
Aos poucos, entre as novas folhas de três primaveras, o espectador vai ficando entre o perfeito balanço da estética e da ética, fórmula de certo modo inconsciente que brota das obras de Mizoguchi. Mas em «A Senhora Oyu», esse espectador perde a noção do espaço e do tempo. Entra num estado perfeito e imponderado que tantas vezes acontece na Ópera. Não interessa a época, não interessa o local, pouco importa os planos longos e aparentemente sem história. Aqui, cada plano é toda a história, o seu fim e o seu início. Narrativa perfeita em interligação. O espectador entra, sem rede, portanto, numa fábula cuja graciosidade trágica é sustentada pelo som dos recitais ou pelo piar das corujas ou o coaxar das rãs. Tudo pertence à dádiva. Tudo pertence ao mundo do obséquio e da cerimónia. Da fronteira que desejamos que os outros nos atravessem, mas que os outros, por humanidade, não se permitem atravessar.
Repito. Quem perder «A Senhora Oyu» fica sem saber a definição de Amor, Amizade, Partilha, Estética, Ética, Ópera, Beleza, Mundo.

jef, maio 2017

«A Senhora Oyu» (Oyu-Sama) de Kenji Mizoguchi. Com Kinuyo Tanaka, Nobuko Otowa, Yuji Hori, Kiyoto Hirai, Reiko Kongo, Eijirô Yanagi, Eitarô Shindô, Kanae Kobayashi. Argumento:Yoshikata Yoda. Música: Fumio Hayasaka; Música Nô: Shogin Hagiwara. Japão, 1951, Cores, 95 min.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Sépalas









Lancemos às pétalas os estranhos.
Eles, então, que lhes estranhem o perfume
Depois que estraguem a distância
Que se afundem no efémero
Que lhes extravasem o sentido, a seiva, o escapo.
E, finalmente, nos indiquem o fio líquido
Do caminho inexistente.


jef, maio 2017

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Sobre o filme «Música a Música» de Terrence Malick, 2017














A banalidade da moral.
Suspeito que Terrence Malick caiu no logro de se apaixonar por si próprio, baixou as guardas e acabou por se amortalhar no sarcófago da própria linguagem. Que pretenderá ele dizer com este filme? Ou, melhor, que quererá ele que o espectador pense (ou sinta) com o seu filme?

Não é suficiente colocar Mahler, Handel, Debussi ou Ravel, pelo meio de Red Hot Chili Peppers, Iggy Pop, Meredith Monk ou da deusa Patti Smith.

Não é bastante ensopar a tela de planos rasantes à água, crepúsculos maravilhosos, cortinas verticais a envolver belas actrizes, camas desfeitas, arquitectura nouveau riche com vidros e acrílicos em modo lloyd-wright-pechisbeque e uma voz off a dizer continuamente banalidades pseudo-bíblicas de auto-ajuda.

É confrangedor ter tantas e tão belas actrizes no plateau e colocá-las dentro de um argumento celofane, sem estilo nem tónus: Cate Blanchett, Natalie Portman, Natalie Portman e a (bela, bela!) Patti Smith que, com a sua presença até parece que vai salvar o filme…. Mas não! Tudo desperdiçado.
Assim como Michael Fassbender… 
Só por isso, o realizador deveria ser punido por lei e obrigado a voltar aos bancos da escola.

Será que Terrence Malick quer dizer que o mundo do rock e das tournées em Austin-Texas é um mundo desgraçado, leviano, imoral, sem graça, onde todos vivem aparvalhadamente alegres, entediadamente deprimidos, entre festas e lençóis, até chegar a mãe para dizer que a nora não presta? (A nora é apenas a maravilhosa Cate Blanchett!).

Um realizador que pretende mostrar, outra vez, o catálogo dos seus bilhetes-postais predilecto pode ter os dias contados. Um filme não se torna denso por acumular clichés visuais, sequências musicais exóticas e frases feitas de paróquia, mas pode tornar-se terrivelmente dogmático, moralmente preservo.

Felizmente, ali, mesmo ao lado, continuam em exibição «A Rua da Vergonha» (1956), «A Imperatriz Yang Kwei-Fei» (1955) e «A Senhora Oyu» (1951) de Kenji Mizoguchi. Dá para lavar os olhos e a alma!

jef, maio 2017

«Música a Música» (Song to Song) de Terrence Malick. Com Ryan Gosling, Natalie Portman, Michael Fassbender, Natalie Portman, Cate Blanchett, Holly Hunter, Val Kilmer, Bérénice Marlohe, Patti Smith, Lykke Li, Black Lips, Red Hot Chili Peppers, Iggy Pop, John Lydon. EUA, 2017, Cores, 129 min.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Sobre o filme «Fátima» de João Canijo, 2017.


















O cinema de João Canijo tem vindo a aprofundar um caminho que pode parecer paradoxal. Mas não é, de todo. «Noite Escura» 2004, «Sangue do Meu Sangue» 2011, «É o Amor» 2013. Ou, agora, «Fátima». Aprofundar a proposta de actrizes profissionais copiarem a realidade ou agirem como a realidade parece desenrolar-se: Realismo, Neo-realismo, Hiper-realismo. Actrizes de primeira água devem copiar os modos e as gentes, a fala, os risos, as angústias. Visconti e Rossellini fizeram o contrário com as gentes de Catania, na Sicília, ou de Stromboli. Colocaram o povo como actores à frente das câmaras. Os irmãos Dardenne, Abdellatif Kechiche, Asghar Farhadi ou Ken Loach refazem a história socio-política utilizando como pathos as situações mais comuns do dia-a-dia, angariando a adesão do espectador.
Contudo,  João Canijo não pretende (directamente) mudar o curso do mundo, fazer «política», nem copiar a realidade, produzir qualquer tipo de documentarismo emocional e diarista. «Fátima» é um filme cuja imensa história não tem praticamente história. Tudo é usado para dar emoção e suspense, sem buscar a moral para beliscar a fé popular ou acarinhar voyeuristas rancorosos da Cova da Iria. Tudo fica incólume, excepto o amor por aquelas mulheres em sofrimento, nervos e vontade.
Aqui o cinema é complexo, os travellings são longos, a voz off faz milagres e conta tudo o que ainda não foi entendido. A captação de som é única. Enfim, praticamente, nada mais há senão devoção e catarze. E uma representação ao nível do sublime daquelas onze mulheres.
Não sou crente mas emocionei-me. Que grande peça de teatro fora de palco!
«Fátima», um filme para quem tiver um pingo de sensibilidade e outro de curiosidade pela origem do mais fundo e abstracto sentimento emocional do homem.

jef, abril 2017


«Fátima» de João Canijo. Com Anabela Moreira, Rita Blanco, Teresa Tavares, Ana Bustorff, Teresa Madruga, Sara Norte, Márcia Breia, Cleia Almeida, Vera Barreto, Alexandra Rosa, Irís Macedo. França / Portugal, 2017, Cores, 153 min.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Sobre o nº 1 da revista «A Morte do Artista», Maio 2017



















Falar sobre a realização de um projecto não é difícil.
Um projecto deve partir de uma animada conversa de café, unindo esforços e diversão, promovendo algum planeamento e rigor, tentando a simplicidade já que a complexidade, todos sabemos, vem depois. Sempre.
A revista «A Morte do Artista» no seu nº 1 não foi nada difícil de concretizar. Bastou juntar a vontade de a publicar de um grupo de amigos, amigos, cuja intuição é tão abstracta quanto pragmática. Carina Bernardo, Fernanda Cunha, Firmino Bernardo, Manuel Halpern, Paulo Romão Brás e o escriturário que em baixo assina.

A primeira impressão é a da imagem, do toque. No primeiro instante, só os sentidos começam a ler… 
Formato não muito comum, quase quadrado, 21 x 22 cm, 58 páginas, design forte, imagem de um vigor indiscutível. A obra é do Paulo Romão Brás que lhe impõe o espelho de um passado que chega ao futuro para lhe resgatar a memória e acusá-lo, pouco depois, de a esquecer. Parábolas densas, Dark Parables. A esse mundo estranho da fotografia-pintura junta-se um outro artista, André Ruivo, que traz os seus saltimbancos malacuecos, traço negro e incisivo, dir-se-ia circense. Nunca sabem se pretendem saltar para dentro da arena festiva ou para o interior dos seus corações magoados.
Salta igualmente, no início, a fotografia (cuja autoria não foi identificada) de um escritor único que decidimos premiar nesta edição. Uma decisão lógica porque as suas letras estão presentes nas constantes discussões do café acima referido. Mário de Carvalho. Escritor asinho e inovador, de quem jamais qualquer criatura com dois dedos de caco afirmará: «O gajo anda sempre a escrever o mesmo livro!». Basta analisar a imagem para entender o espírito do criador e ficar com água na boca sobre o texto inédito, magnífico, aqui publicado, que o autor escreveu sobre o tema.
(Agora, já as letras nos cativam, caracteres de bom tamanho e boa figura, espaço interlinear agradável, leitura confortável.)

No final, Natália Constâncio, desde há tantos anos investigadora da obra, apresenta um circunstancial artigo sobre ironia e paródia no contexto do rigor estético de Mário de Carvalho. Mas há mais.
Carlos Bessa impõe a sua poesia que rejeita a poesia e o lado moribundo que, quantas vezes, as palavras impõem ao criador.
Temos uma paródia sobre quem pretendeu a coroa de glória como domador de leões, o famoso ‘Joe Sans Peur’. História entre a comédia negra e a fantasia delirante, de Pedro Castro Henriques.
E um texto sintáctico sobre a estranha morfologia da língua das gentes de Miranda. Que raio de verbos reflexivos usam eles… e com que ganas… e que belo é o tom suave mas sonoro daqueles sons… Alfredo Cameirão.
E, ainda, mais alguns textos desses que um dia se chamaram «A Morte do Artista» por fazerem propaganda aos próprios livros.
Pelo fim, lá aparecem capas e preços, os livros dos presunçosos!

Abraço grande e até dia 13 de Maio de 2017, pelas 16h30, na Biblioteca Camões, Largo do Calhariz ao Chiado, em Lisboa. Daremos o prémio com a presença do escritor. Lançaremos e a revista e o convívio à paisagem do Tejo. Estaremos felizes pela realização desta revista.

jef, maio 2017

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Sobre o filme «Paula Rego, Histórias e Segredos» de Nick Willing, 2017.



















«And as your last breath begins
You find your demons
Is your best friend.
And we all get it in the end.»,

escreve Scott Matthew na canção «In the End» cantada pelo carismárico Justin Bond no final do belo e muito particular filme que John Cameron Mitchell realizou em 2006. «Shortbus». A impossibilidade do encontro, a inconsequência da sexualidade, a insistente busca do afecto na cidade onde toda a gente vem para ser perdoada. Nova Iorque, após o 11 de Setembro de 2001. Ground Zero e a capacidade do amor, do erotismo e da arte de sarar feridas e acalmar dragões, bruxas e fantasmas. Alegoria total do Amor.

Por alguma coincidência revi este filme um dia antes de assistir ao documentário que Nick Willing, seu filho, realizou sobre Paula Rego. Um filme de dimensão documental rigorosa e de um respeito afectuoso pela liberdade criativa da pintora. Sem peias e emocionalmente vibrante. Íntimo sem ultrapassar a privacidade. Visualmente forte, consegue não se diluir nas tintas arrasadoras, nos brilhos cortantes, no espírito de erotismo ferido que envolve quase todas as telas da artista. Afinal, os segredos são apenas histórias eternas e universais. Um deslumbramento ansioso sobre uma vida que agarrou a arte como acto único para interpretar a infância e a necessidade de levar a família e o mundo até um futuro, por teoria, incerto. A lógica e a angústia de alguém que parece andar sempre a pisar a fímbria do precipício, demonstrando, acima de tudo, a importância de trazer para o colo, - lugar escondido e primordial da libido -, todos os gatos felpudos e todos papões de dentes aguçados, em simultâneo. Assistir a este filme (e como apetece revê-lo!) é reconciliarmo-nos com os nossos demónios mais iniciáticos, afinal, os nossos melhores amigos..., e sem tropeçar em demasia. 
Como canta Scott Matthew.

jef, abril 2017


«Paula Rego, Histórias e Segredos» (Paula Rego, Secrets and Stories) de Nick Willing, Grã-Bretanha, 2017, Cores, 92 min.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Sobre o filme «A Mulher de Quem se Fala» de Kenji Mizoguchi


















Diz João Bénard da Costa, nas Folhas da Cinemateca, que este é o menos amado dos seus últimos filmes. Esclareçamos, o menos apaixonadamente amado das suas derradeiras obras-primas. Mizoguchi achou-o um compasso de espera, embirrou com os argumentistas, desabafou «que era uma merda de história, sem interesse. Uma história de putas.» Os Cahiers du Cinema escreveram, em 1958: «Nove, dos quais oito são obras-primas».
Porém…o filme é magnífico.
Uma mistura singularíssima de desencontros e clivagens, desconfortos e pormenores, recantos de argumento, planos e falas, muito difícil de realizar, facílimo de venerar. Repito, este filme é magnífico.
Dizem que George Cukor ou Pedro Almodovar, cada qual a seu modo, se dedicam a construir a personagem “feminina”. Mas Mizoguchi, na maior parte da filmografia, ultrapassa-os a uma velocidade sem par. Em «A Mulher de Quem se Fala», de um modo particular.
Yukiko (Yoshiko Kuga) regressada de Tóquio, ausente e deprimida mas extremamente moderna, quase sempre de negro e vestida à ocidental, movendo-se elegante como Audrey Hepburn, tem como contraponto a sua empreendedora mãe, Hatsuko (Kinuyo Tanaka), que dirige a afamada e bem-sucedida casa de gueixas, segundo as regras ancestrais. As duas figuras tutelares reduzem a bonifrates todas as figuras masculinas. O moderno e ambicioso médico Kenzo (Tomoemon Otani) e o velho amigo Yasuichi (Eitarô Shindô), entre o lúbrico e o agiota, o único a envergar vestes orientais, aparecem quase risíveis, sem esqueleto interno, vogando ao sabor de uma vontade instantânea…, enquanto as mulheres vivem com  tempo e peso; trabalham, cuidam, amam, servem, sentem, responsabilizam-se.
Não conheço a cinematografia total de Mizoguchi mas este filme tem uma característica operática sublime, segundo a qual a cena dramática centrada numa comédia antiga que satiriza a paixão de uma mulher sexagenária vai despoletar toda a tragédia, opondo as duas figuras jovens às duas mais velhas, o Ocidente ao Oriente, a moral inovadora à moral tradicional conservadora, a liberdade à resignação.
Não é por acaso o magnífico genérico feito de figuras geométricas à la Mondrian, abstracto e imponderável. Também não o será a maravilhosa banda sonora de Toshirô Mayuzumi, a lembrar a suspensão ansiosa de Bernard Herrmann.
Tudo fica paralisado na cena final, em comunhão espiritual, quando as duas gueixas saem ao encontro dos clientes, mulheres maravilhosas, etéreas, irreais, sacrificadas e belas, em andas insustentáveis, dizendo à aprendiz que a sua profissão jamais terá fim. Atrás delas, novas gueixas virão.
Re-repito: o filme é magnífico!

jef, maio 2017

«A Mulher de Quem se Fala» (Uwasa No Onna) de Kenji Mizoguchi. Com Kinuyo Tanaka, Yoshiko Kuga, Tomoemon Otani, , Bontarô Miyake, Haruo Tanaka, Hisao Toake, Teruko Daimi, Teruko Kusugi, Chieko Naniwa, KimikoTachibana, Chuzaburô Shigeyama. Argumento: Yoda Yoshikata e Masashige Narusawa, a partir de uma história de Matsutaro Kawagushi, fotografia: Kazuo Miyagawa, música: Toshirô Mayuzumi, música Nô: Kurozaemon Katayama. Japão, 1954, P/B, 83 min.