segunda-feira, 30 de abril de 2018

Sobre o filme «As Duas Feras» de Howard Hawks, 1938




















Não existe comédia mais extravagante e com um maior número de subterfúgios e subentendidos na história do cinema. Digo, subentendidos não mal-entendidos, pois aqui, ao fim de 80 anos, tudo é mais do que implícito. É tudo declarado.

Por que será que Susan Vence (Katharine Hepburn) se veste finalmente de negro e com véu (tal como a putativa noiva Alice Swallow), subindo até ao dorso esquelético do dinossauro para o destruir e conquistar em definitivo o amor do Professor Davis Huxley (Cary Grant)?

Por que será que o Professor não larga o osso, a tal clavícula intercostal em falta, e Susan não larga o agitado leopardo «Baby»? Por que têm ambos de cantar desenfreadamente «I Can’t Give You Anything but Love, Baby»?

Por que é que o psicanalista de circunstância papagueia a Susan: «Frequentemente, o impulso do amor no homem expressa-se de modo conflituoso.», enquanto tudo se desmorona à volta dos personagens, as peripécias sucedem-se, as quedas esmagam chapéus altos, os fatos rasgam-se e Susan e David têm de caminhar encostados e abraçados?

Por que afirmará o Professor Davis Huxey, travestido com um sumptuoso roupão emplumado de senhora, «Tornei-me gay de repente!»? (O que significaria esta frase há oitenta anos?)

Por que existem dois leopardos à solta, um bom e um mau, que devem ser capturados numa extraordinária caçada nocturna liderada pelos magníficos Charles Ruggles (Major Applegate) e May Robson (Tia Elisabeth) coadjuvados pelo jardineiro Gogarty  (Barry Fitzgerald)? Entretanto, Susan e Davis, vão-se caçando um ao outro?

Por que acabarão todos enfiados em jaulas na cadeia e os animais a passear cá fora?

Não há filme mais cómico e mais inteligente sobre o amor e a sedução que «As Duas Feras». Não há filme onde o riso e o guarda-roupa de Katharine Hepburn mais seduzam.  Não há texto mais rápido e divertido nem sucessão mais delirante de cenas caricatas.

A rever sempre que o tempo não anda de feição ou o espírito se perde em realidades absurdas.

jef, abril 2018
                                                                   
«As Duas Feras» (Bringing Up Baby)  de Howard Hawks. Com Cary Grant (Prof. Davis Huxley), Katharine Hepburn (Susan Vence), Charles Ruggles (Major Applegate), May Robson (Tia Elisabeth), Barry Fitzgerald (Gogarty), Walter Catlett (Slocum), Fritz Feld (Dr.  Lehmann, o psicanalista), George Irving (Peabody), Leona Roberts (a criada, mulher do jardineiro), Tala Birrell (Mrs. Lehmann), Virginia Walker (Alice Swallow, a noiva e secretária). Argumento: Dudley Nichols e Hagar Wilde. Produção RKO Radio Pictures. EUA, 1938, P/B, 101 min.

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