terça-feira, 10 de outubro de 2017

Sobre o filme «Vitória e Abdul» de Stephen Frears, 2017















Diria que Stephen Frears tem um jeito especial para contar histórias. Sabe narrar como quer e quando quer. Desde «My Beautiful Laundrette», 1985. Está sempre a transgredir sem nunca infligir danos à estratégia narrativa. Um vago «sentimento» pessoal que eu estendo a toda a cinematografia inglesa. Façam o que fizerem, parece que transportam o peso da tradição e o riso da infracção.

A questão «vitoriana» na estrutura cultural e política da Grã-Bretanha é enorme, transcende a moral, a ideologia, transcende essa falsa verdade das castas e do snobismo. A questão «indiana», ainda mais. A questão «religiosa», pior.

Stephen Frears enlaça tudo e executa uma parábola que viaja de uma época para outra época, com um século de diferença. Realça as semelhanças estranhas de um estranho Ocidente: fala-se agora em Brexit, em estado islâmico, em xenofobia… Tudo parecido!

Fala-se agora menos em amizade plena, na compreensão de gerações e modos, nesse verdadeiro amor entre idades diversas que hoje é ainda o verdadeiro tabu afectivo.

E tudo condensado num relance, numa troca de olhares proibida entre Abdul Karim (Ali Fazal) e a rainha Vitória (Judi Dench), durante um apressado e mal-humorado almoço de Estado. Basta verificarmos a cena súbita em close-up do olhar em metamorfose da rainha para entendermos a mestria de uma actriz, essa graça subtil de Stephen Frears para agarrar a transgressão e fazer dela o mote de uma carreira cinematográfica ímpar.

Num simples «glimpse», entre a sombra e a aparição, um filme inteiro.

jef, outubro 2017

«Vitória e Abdul» (Victoria and Abdul) de Stephen Frears. Com Judi Dench, Ali Fazal, Tim Pigott-Smith, Eddie Izzard Olivia Williams, Michael Gambon. EUA / Grã-Bretanha, 2017, Cores, 112 min.

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