quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Sobre o filme «Através das Oliveiras» de Abbas Kiarostami, 1994













A longa cena final, esse percurso ansioso através das searas e das oliveiras ao som de um andamento barroco, em que Hossein, de balde e termos de chá na mão, segue Tahereh, de vaso de sardinheiras à ilharga, aguardando que esta dê um sinal da aceitação do seu amor, é de um desses momentos à Kiarostami, um instante magnânimo, que resume a justiça, a liberdade, a necessidade, a dúvida, lançadas pelo Cinema maior.

Ela orgulhosa, ele submisso. Ou, pelo contrário, ele impositivo, ela submetida a dogmas familiares e sociais. Seguem os dois, levados também pela rejeição do passado e da dor, trágica e pobre, que o terramoto de 1990 lançou sobre o Irão. Estão na região de Koker, a 350 km de Teerão, e o seu desejo de futuro é imenso. Não querem ser analfabetos. Querem estudar mesmo em tendas. Querem ter uma casa própria mesmo periclitante. Querem vestir-se de outro modo. Querem amar, apesar dos mortos e da derrocada, apesar da lei.

O Actor (Mohamad Ali Keshavarz), aqui realizador benévolo e paciente, anuncia ao espectador que estão a escolher a actriz para interpretar uma jovem que se casou um dia após o terramoto. Durante o intervalo das filmagens, rodeados de miúdos, pega num livro e faz-lhes perguntas que sairão no exame. Entre risos e realidade. E vasos de sardinheiras.

A Srª. Shiva (Zarifeh Shiva), anotadora, motorista, produtora, irrita-se porque Tahereh chega tarde e não quer usar um vestido tradicional de camponesa, também porque Hossein se recusa a ser pedreiro, a sua profissão anterior. No entanto, todos acatam, todos cumprem, todos guardam uma ponta de ressentimento. Todos guardam uma ponta de esperança. O futuro não é assegurado mas poderá dissolver um pouco a miséria dos antepassados.

Abbas Kiarostami, em «Através das Oliveiras», faz o que o modernismo de Visconti e Rosselini fez à realidade filmada devolvendo ao espectador a incerteza com que o grande teatro conforta (ou confronta) a vida. Ainda lhe coloca o livre arbítrio da interpretação de quem a contempla. Longínquo, entre as oliveiras, vemos Tahereh virar-se momentaneamente para Hossein, logo ele desata a correr em sentido contrário. Pode o Amor ter convencido Tahereh. Pode o desespero ter vencido Hossein. Quem tem o poder de decidir?

jef, outubro 2017

«Através das Oliveiras» (Zire Darakhatan Zeyton) de Abbas Kiarostami. Com Farhad Kheradmand, Mohamad Ali Keshavarz, Zarifeh Shiva, Hossein Rezai, Tahereh Ladanian. Irão / China, 1994, Cores, 103 min.

1 comentário:

  1. Ótimo filme! Palavras muito açucaradas Houssein diz à Tahereh... Ao meu sentir, no final, com o seu amor, Houssein suplantou a resistência da jovem; a trilha sonora, que é muito alegre, indica a sua vitória. Além disso, se fosse rejeitado, o que sucederia ao rapaz seria a languidez; em oposição, o que ele faz é correr... e tão rápido, com tanta disposição, que até caí, como se não pudesse conter a sua empolgação.

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