quarta-feira, 19 de julho de 2017

Da consciência e da sua irrelevância














Da consciência e da sua irrelevância.

O caos e a tranquilidade são dois conceitos teóricos, mais palavrosos, menos abstractos, que definem sem definir estados que os humanos têm muita dificuldade em integrar. Animais, plantas, minerais, e o que lhes está pelo meio, praticam-nos plenamente sem necessidade de os distribuir por complexos dicionários.

O caos determina esse estado impossível de explicar em que as partículas e os seus componentes electrónicos se encontram em permanência, de pernas para o ar, cabeças ao vento, ora aqui ora ali, para desespero de matemáticos e astrofísicos, nunca sabendo estes quando e onde os irão agarrar. Dessa incerteza caótica são feitos tanto a pedra dura, como a água mole, como o substrato aéreo.

Por oposição, a tranquilidade, ainda mais teórica e abstracta, apenas existe quando, por momentos, é esquecido o caos das partículas e o da mente dos astrofísicos, tais como o das respectivas famílias, o possível recrudescer da gastrite, essa dor aguda que poderá conter mal maior, a disseminação do terrorismo pelos cantos improváveis do planeta, o encerramento da próxima estação dos correios ou a flutuação do preço da fruta no bairro em tempos de crise permanente. Ou seja, a tranquilidade existe apenas por esquecimento do que a nega. O contraditório e a respectiva sombra da consciência.

Olhando pelo lado de fora, a cegonha que plana no ar treinando as rémiges para que contornem as advecções atmosféricas, sem causas nem caos, quando não busca por alimento, segurança ou descendência, cumpre, efectivamente e inconscientemente, o prazer da tranquilidade. A cegonha apenas é tranquila dentro das órbitas estouvadas dos electrões que circulam pelos átomos das suas rémiges que, em sincronia, a levam à satisfação dessa, convenhamos, ausência de caos.

Ou seja, a consciência feita de caos e tranquilidade em simultâneo, mas também da sua oposição – caso se determine que uma e a outra palavra são antónimos, um facto pouco provável! –, torna tudo metafisicamente muito mais complicado para a gastrite do astrofísico, Doutor Teles, que ainda não descobriu a pólvora para o seu electrão, ou para o Senhor Serafim do minimercado que vê a fruta paquistanesa invadir o bairro, bem mais barata.

Afinal, não será de todo lógico que os sentidos de Caos e Tranquilidade sejam efectivamente opostos um do outro. A definição de tais palavras não vive em contradição. Apenas a sua consciência. Não é o Senhor Serafim ou o Doutor Teles quem o afirma.

É a cegonha que o confirma.

jef, julho 2017

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