quarta-feira, 7 de junho de 2017

Sobre o filme «O Intendente Sansho» de Kenji Mizoguchi, 1954















«Um homem sem compaixão é como um animal. Ama todos os outros homens, qualquer que seja a sua condição, porque todos os homens nascem iguais. Podes ser duro para contigo mas nunca sejas cruel para com os teus semelhantes.» 
[Outra tradução fala em misericórdia e em ser-se misericordioso.]

Diferem a etimologia e os vocábulos mas não adultera um milímetro a elegia da bondade que Mizoguchi expõe em «O Intendente Sansho». Um dos mais belos e teóricos, mais justos e moralmente imperiosos, mais ternos e comoventes filmes que alguma vez vi.

São aquelas as palavras que o pai faz repetir ao filho Zushio, ainda criança, quando lhe entrega a imagem da Deusa budista da Misericórdia. Zushio e a sua irmã Anjú levarão a sua vida, a perseguir aquele lema mesmo em tempos da escravatura. Zushio fará tudo para repor a verdade da liberdade, para emendar os seus erros, para encontrar a sua mãe, a sua irmã, o seu pai. Contudo, todos se castigam para que tais valores sejam cumpridos na íntegra, para que a conduta seja irrepreensível. Só desse modo farão feliz o próximo mesmo que, por isso, este sofra.

Aqui a palavra é tida como confiança, a palavra como «senso familiar», como acto sublime de amizade ou de supremo amor, de justiça política. A palavra assume um carácter sobre-humano, de acto de compaixão, da misericordiosa dádiva perante o outro.

«O Intendente Sancho» é uma parábola assombrosa que nos lembra a dor, o horror que vai passando por este tão próximo e anacrónico século XXI. Um mundo sem compaixão [ou misericórdia], um «mundo animal» que devia tomar mais atenção ao épico concluído de Kenji Mizoguchi. 

E que as lágrimas que o «O Intendente Sansho» faz correr sejam mais do que homenagem, sejam a consciência desse sumptuoso engenho que nos impele ainda a acreditar na ética e na estética como dínamos de um futuro mais belo e justo. Enfim, um futuro mais humano.

jef, junho 2017


«O Intendente Sansho» (Sanshô Dayú) de Kenji Mizoguchi. Kinuyo Tanaka, Yoshiaki Hanayagi, Kyoko Kagawa, Eitarô Shidô, Masao Shimizu, Akitake Kawano, Ruôsuka Kagawa, Ken Mitsuda, Nooki Fujiwara, Keiko Enami, Shôzo Nambu, Keiko Koyonagi, Teruko Omi, Chieko Naniwa, Kikue Mori. Argumento: Yoshikata Yoda e Fuji Yahiro sobre o conto de Ogai Mori. Japão, 1954, P/B, 122 min.

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