sexta-feira, 26 de maio de 2017

Sobre o filme «Rua da Vergonha» de Kenji Mizoguchi, 1956


















O prodígio deste filme revela-se na imagem escolhida para o seu cartaz. 
Tudo é belo. Tudo é sério. Tudo é efémero. 
Estamos em Tóquio, na «Casa dos Sonhos», em Yoshiwara, em 1956, durante mais uma discussão parlamentar sobre a lei da prostituição. Estamos no ano da morte de Mizoguchi. É o seu último filme.
Na imagem, que tudo contém, falta a virgem-quase-criança que vai ser iniciada e com que o filme termina. A mais extraordinária cena de maquilhagem, a mais tensa cena de fuga, medo, expectativa e sedução. Mesmo antes de aparecer no ecrã a palavra fim.
Nesta história de prostituição não existe comiseração e as tragédias (estão ali todas) são vistas de forma múltipla, exterior e circunstanciada, apesar de assistirmos a tão poucas cenas fora da «Casa dos Sonhos».
Dir-se-ia que é um filme neo-realista dada a força e o modo como os temas são introduzidos em torno das histórias das seis mulheres. Mas não é neo-realista. Aqui não existe julgamento e moral, teoria ou método. Aqui, todas as histórias têm dois lados: Yoshiwara é igualmente um local de refúgio, onde a alegria e o ordenado vindos do sexo (aqui nada é observável) ajuda a compensar uma sociedade que, do lado de fora, é 100 vezes mais inóspita.
Todo o mundo está na «Casa dos Sonhos» e vemo-lo de um modo tão cruamente estilizado que é impossível não sorrirmos e não nos comovermos ao mesmo tempo.
Sublinho: este é um filme sobre a natureza humana, a sociedade, a lei da prostituição, a «má vida», os afectos e a força no feminino. Toda a alma do cinema de Kenji Mizoguchi está dentro do olhar das cinco mulheres neste cartaz.
Este filme é maravilhosamente poderoso!

jef, maio 2017

«Rua da Vergonha» (Akasen Chitai) de Kenji Mizoguchi. Com Machiko Kyo, Aiko Mimasu, Ayako Wakao, Michiyo Kogure, Kumeko Urabe, Sadako Sawamura, Eitarô Shindô, Yosuke Irie, Kenji Sugahara, Yasuko Kawakami, Hiroko Machida, Toranosuke Ogawa. Japão, 1956, P/B, 84 min.

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