quarta-feira, 3 de maio de 2017

Sobre o filme «Paula Rego, Histórias e Segredos» de Nick Willing, 2017.



















«And as your last breath begins
You find your demons
Is your best friend.
And we all get it in the end.»,

escreve Scott Matthew na canção «In the End» cantada pelo carismárico Justin Bond no final do belo e muito particular filme que John Cameron Mitchell realizou em 2006. «Shortbus». A impossibilidade do encontro, a inconsequência da sexualidade, a insistente busca do afecto na cidade onde toda a gente vem para ser perdoada. Nova Iorque, após o 11 de Setembro de 2001. Ground Zero e a capacidade do amor, do erotismo e da arte de sarar feridas e acalmar dragões, bruxas e fantasmas. Alegoria total do Amor.

Por alguma coincidência revi este filme um dia antes de assistir ao documentário que Nick Willing, seu filho, realizou sobre Paula Rego. Um filme de dimensão documental rigorosa e de um respeito afectuoso pela liberdade criativa da pintora. Sem peias e emocionalmente vibrante. Íntimo sem ultrapassar a privacidade. Visualmente forte, consegue não se diluir nas tintas arrasadoras, nos brilhos cortantes, no espírito de erotismo ferido que envolve quase todas as telas da artista. Afinal, os segredos são apenas histórias eternas e universais. Um deslumbramento ansioso sobre uma vida que agarrou a arte como acto único para interpretar a infância e a necessidade de levar a família e o mundo até um futuro, por teoria, incerto. A lógica e a angústia de alguém que parece andar sempre a pisar a fímbria do precipício, demonstrando, acima de tudo, a importância de trazer para o colo, - lugar escondido e primordial da libido -, todos os gatos felpudos e todos papões de dentes aguçados, em simultâneo. Assistir a este filme (e como apetece revê-lo!) é reconciliarmo-nos com os nossos demónios mais iniciáticos, afinal, os nossos melhores amigos..., e sem tropeçar em demasia. 
Como canta Scott Matthew.

jef, abril 2017


«Paula Rego, Histórias e Segredos» (Paula Rego, Secrets and Stories) de Nick Willing, Grã-Bretanha, 2017, Cores, 92 min.

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