Diz
João Bénard da Costa, nas Folhas da Cinemateca, que este é o menos amado dos
seus últimos filmes. Esclareçamos, o menos apaixonadamente amado das suas
derradeiras obras-primas. Mizoguchi achou-o um compasso de espera, embirrou com
os argumentistas, desabafou «que era uma merda de história, sem interesse. Uma
história de putas.» Os Cahiers du Cinema escreveram, em 1958: «Nove, dos quais
oito são obras-primas».
Porém…o
filme é magnífico.
Uma
mistura singularíssima de desencontros e clivagens, desconfortos e pormenores,
recantos de argumento, planos e falas, muito difícil de realizar, facílimo de
venerar. Repito, este filme é magnífico.
Dizem
que George Cukor ou Pedro Almodovar, cada qual a seu modo, se dedicam a
construir a personagem “feminina”. Mas Mizoguchi, na maior parte da filmografia,
ultrapassa-os a uma velocidade sem par. Em «A Mulher de Quem se Fala», de um
modo particular.
Yukiko
(Yoshiko Kuga) regressada de Tóquio, ausente e deprimida mas extremamente moderna,
quase sempre de negro e vestida à ocidental, movendo-se elegante como Audrey
Hepburn, tem como contraponto a sua empreendedora mãe, Hatsuko (Kinuyo Tanaka),
que dirige a afamada e bem-sucedida casa de gueixas, segundo as regras
ancestrais. As duas figuras tutelares reduzem a bonifrates todas as figuras
masculinas. O moderno e ambicioso médico Kenzo (Tomoemon Otani) e o velho amigo
Yasuichi (Eitarô Shindô), entre o lúbrico e o agiota, o único a envergar vestes
orientais, aparecem quase risíveis, sem esqueleto interno, vogando ao sabor de
uma vontade instantânea…, enquanto as mulheres vivem com tempo e peso; trabalham, cuidam, amam, servem,
sentem, responsabilizam-se.
Não
conheço a cinematografia total de Mizoguchi mas este filme tem uma
característica operática sublime, segundo a qual a cena dramática centrada numa
comédia antiga que satiriza a paixão de uma mulher sexagenária vai despoletar
toda a tragédia, opondo as duas figuras jovens às duas mais velhas, o Ocidente
ao Oriente, a moral inovadora à moral tradicional conservadora, a liberdade à resignação.
Não
é por acaso o magnífico genérico feito de figuras geométricas à la Mondrian,
abstracto e imponderável. Também não o será a maravilhosa banda sonora de Toshirô
Mayuzumi, a lembrar a suspensão ansiosa de Bernard Herrmann.
Tudo
fica paralisado na cena final, em comunhão espiritual, quando as duas gueixas
saem ao encontro dos clientes, mulheres maravilhosas, etéreas, irreais, sacrificadas
e belas, em andas insustentáveis, dizendo à aprendiz que a sua profissão jamais
terá fim. Atrás delas, novas gueixas virão.
Re-repito:
o filme é magnífico!
jef,
maio 2017
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