terça-feira, 18 de abril de 2017

Sobre o filme «O Amigo Americano» de Wim Wenders, 1977























Um Estudo em Vermelho.
Diz Wim Wenders sobre este filme: «Todos os filmes são políticos. Antes de mais, aqueles que de modo algum o querem ser: os “filmes de entretenimento”. São os filmes mais políticos que existem porque exorcizam das pessoas a ideia de transformação. Tudo está bem como está, dizem, em cada plano. São um anúncio único das condições vigentes. Julgo que “O Amigo Americano” não se deixou apanhar por isso. É, na verdade, um “filme de entretenimento” e é empolgante. Porém, não confirma o vigente. Pelo contrário: tudo é transformável, tudo está ameaçado. O filme não tem conteúdos políticos explícitos. Mas não é estupidificante. Não faz das suas figuras títeres e, por isso, os espectadores também não. Infelizmente, muitos filmes “políticos” fazem-no.»

Wim Wenders tem razão. É a explícita consciência por parte do realizador, essa vontade de transformar pela estética o mundo «vigente» do cinema, o americano e o outro, que faz de «O Amigo Americano» um objecto maravilhosamente académico.

Não só a capacidade de torcer a persona «Ripley» de Patricia Highsmith ao ponto de a colocar entre o modo americano de Dennis Hopper e o alemão de Bruno Ganz. Não é pelas ostensivas e constantes referências a John Ford, a Yasujiro Ozu, a Alfred Hitchcock. Não será a devoção cinéfica tutelar que demonstra ao confrontar Nicholas Ray, Samuel Fuller ou Jean Eustache, em situações que tanto poderiam fazer parte do «filme noir», do «road movie», dos filmes de cowboys e de comboios. A banda sonora a lembrar permanentemente o suspense na história do cinema. Os constantes truques e reviravoltas que forçam a personagem Jonathan a entrar ao arrepio da lógica realista mas enquadrada na narrativa clássica de troca de personalidades e vontades até provocar o climax-anti-climax de uma solução ex-machina.

Ou talvez seja simplesmente o apelo declarado pela estética de um carro que percorre uma praia barreira barragem; ou um cowboy que anda em equilíbrio instável no parapeito do viaduto canyon; ou uma criança protegida pela família a reconstruir-se; ou uma doença que devolve e retira a identidade; ou um pintor morto que ainda pinta sem identidade; ou a identidade de uma moldura vazia. Uma pintura sobre o traço de azul adulterado. Ou uma mancha de vermelho a unir o filme do princípio ao fim...
Um Estudo em Vermelho, diria Sir Conan Doyle. Um estudo que nos envolve, nos devolve, nos declara, o amor puro ao cinema universal.

jef, abril 2017

«O Amigo Americano» (Der Amerikanische Freund) de Wim Wenders. Com Bruno Ganz, Dennis Hopper, Lisa Kreuzer, Gérard Blain, Nicholas Ray, Samuel Fuller, Jean Eustache, Peter Lilienthal, Daniel Schmid, Sandy Withelaw, Lou Castel, Andreas Dedecke, David Blue, Stefan Lennert, Rudolf Schündler, Gerty Molzen, Heinz Joachim Klein, Rosemarie Heinikel, Heinrich Marmann, Satya de la Manitou, Axel Schiessler, Adolf Hansen, Klaus Schichan. Argumento: “O Amigo Americano” de Patricia Highsmith, música: Jürgen Knieper, fotografia: Robby Müller. Alemanha, 1977, Cores, 123 min.

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