sexta-feira, 21 de abril de 2017

Sobre o filme «Ma Loute» Bruno Dumont, 2016





                                












A tragédia do ridículo.
Poderá «Ma Loute» chegar, digamos, não aos calcanhares mas à cintura de «O Pequeno Quinquin», o filme de Bruno Dumont de 2014. No entanto, o realizador continua a jogar como muito poucos num dos campos cinematográficos mais difíceis: o ridículo como modo analítico do género humano. Voltemos a Jacques Tati, Charlie Chaplin, Fernandel, Buster Keaton, Totò, Monty Python, Vasco Santana… Não jogaram todos eles nesse mesmo campo? Foram poucos, mas venceram.
E no drama «A Morte em Veneza» de Luchino Visconti, não será o ridículo que provoca o desfecho trágico e deixa o compositor Gustav von Aschenbach mártir de uma solidão fatal? Quantas vezes não transporta a solidão os genes do ridículo. E o ridículo dói.
Ou faz rir.
Lembrei-me do filme de Visconti de 1971, por comparação com a sua banda sonora. Dumont vai buscar um adagio como contraponto trágico ao burlesco: «Barberie – prelúdio ao 2º Acto» (1890) do compositor belga Guillaume Lekeu, compositor de tragédias musicais e morto aos 24 anos... Sem dúvida que a partitura quando surge obriga a uma brusca mudança emocional por parte do espectador.
Assim como as perspectivas cénicas e paisagistas sobre a praia, o mar e alguma “suspensão” aérea. Ou a beleza andrógina da actriz Raph, que surge ora rapaz ora rapariga, provocando reacções inusitadas e desgraçando a compostura tanto do povo, como da aristocracia. Os canibais Brufort contra os incestuosos Van Peteghem. Ridículos uns, ridículos os outros. Mas verdadeiros!
Serão estas apenas coincidências com o grande filme de Visconti? Não desejará Bruno Dumont tocar a bainha operática e política da mestria de Visconti?
Acho que sim e que o faz com seriedade, expondo a beleza ao disparate, opondo as figuras das duas cunhadas, Juliette Binoche e Valeria Bruni Tedeschi, dos dois cunhados, Fabrice Luchini e Jean-Luc Vincent, dos dois polícias, do pai Brufort e filho Brufort… Uma composição entre o happy e o unhappy end enquadrada numa extraordinária banda sonora. Muita atenção ao som dos passos, dos vestidos, dos corpos, à intraduzível pronúncia do povo, à afectada pronúncia dos ricos. Aqui tudo chia, talvez ridiculamente, talvez tragicamente. Mas tudo acaba bem, com uma procissão à Nossa Senhora do Mar e um brinde com champanhe ao chefe da polícia que, quando enervado, se entufa ligeiramente…
Mas sim, aqui tudo acaba bem…

jef, abril 2017

«Ma Loute» de Bruno Dumont. Com Fabrice Luchini, Juliette Binoche, Valeria Bruni Tedeschi, Jean-Luc Vincent, Brandon Lavieville, Raph, Didier Després, Cyril Rigaux, Thierry Lavieville, Caroline Carbonnier, Manon Royère Laurèna Thellier. Alemanha / França, 2016, Cores, 122 min.

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