Zona Interdita
É melhor preparar-se e fazer um xixi prévio. Durante 3 horas
e 17 minutos poderá colocar em causa tudo o que pensa sobre a comédia no
cinema, os seus limites, a sua ética, a zona de interditação. Os esgares, os
trejeitos, os tropeções e tombos, os rictos e tiques, os defeitos físicos,
mentais, raciais, religiosos, de pronúncia, de preconceito, de conceito. Enfim,
as palalhaçadas. Conhece Charlie Chaplin, Buster Keaton, Jerry Lewis, Peter
Sellers, o príncipe Toto, Jacques Tati, Woody Allen, Nanni Moretti, António
Silva, Vasco Santana…? Então conhece o jogo da pantomima. Neste filme o caso é
extremo: parece brincar com tudo em longos planos muito claros, em planos
muitos próximos olhando lentamente o olhar de pessoas e animais. Não é uma
comédia de Verão com crianças, não é uma comédia policial com cadáveres
inexplicados. É uma comédia estética que toca os hipotéticos limites do riso
para, exactamente, colocar a consciência à frente desses mesmos limites,
incluindo a fronteira cómica da tragédia. É para isso que a arte maior é feita.
Vá, não se encolha e ria, os filmes também foram feitos para isso, mas
reconheça: todos nós guardamos meia dúzia de defeitozinhos de estimação.
[E se houvesse dúvidas de que certos temas só podem ser
tocados pela Estética, reconheça-se a beleza da cena final quando chegam da
visita de pêsames e os braços-abraços se confundem e, em plano mais distante, o
tenente Carpentier e Dany Lebleu enfrentam-se num estranho braço de ferro].
jef, fevereiro 2015
«O Pequeno Quinquin» (P'tit Quinquin) de Bruno Dumont. Com
Alane Delhaye, Lucy Caron, Bernard Pruvost, Philippe Jore, Philippe Peuvion,
Lisa Hartmann, Julien Bodard, Corentin Carpentier. França, 2014, Cores, 197 min.
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