quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Sobre o filme «O Pequeno Quinquin» de Bruno Dumont, 2014


















Zona Interdita
É melhor preparar-se e fazer um xixi prévio. Durante 3 horas e 17 minutos poderá colocar em causa tudo o que pensa sobre a comédia no cinema, os seus limites, a sua ética, a zona de interditação. Os esgares, os trejeitos, os tropeções e tombos, os rictos e tiques, os defeitos físicos, mentais, raciais, religiosos, de pronúncia, de preconceito, de conceito. Enfim, as palalhaçadas. Conhece Charlie Chaplin, Buster Keaton, Jerry Lewis, Peter Sellers, o príncipe Toto, Jacques Tati, Woody Allen, Nanni Moretti, António Silva, Vasco Santana…? Então conhece o jogo da pantomima. Neste filme o caso é extremo: parece brincar com tudo em longos planos muito claros, em planos muitos próximos olhando lentamente o olhar de pessoas e animais. Não é uma comédia de Verão com crianças, não é uma comédia policial com cadáveres inexplicados. É uma comédia estética que toca os hipotéticos limites do riso para, exactamente, colocar a consciência à frente desses mesmos limites, incluindo a fronteira cómica da tragédia. É para isso que a arte maior é feita. Vá, não se encolha e ria, os filmes também foram feitos para isso, mas reconheça: todos nós guardamos meia dúzia de defeitozinhos de estimação.

[E se houvesse dúvidas de que certos temas só podem ser tocados pela Estética, reconheça-se a beleza da cena final quando chegam da visita de pêsames e os braços-abraços se confundem e, em plano mais distante, o tenente Carpentier e Dany Lebleu enfrentam-se num estranho braço de ferro].

jef, fevereiro 2015

«O Pequeno Quinquin» (P'tit Quinquin) de Bruno Dumont. Com Alane Delhaye, Lucy Caron, Bernard Pruvost, Philippe Jore, Philippe Peuvion, Lisa Hartmann, Julien Bodard, Corentin Carpentier. França, 2014, Cores, 197 min.

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