Não importa investigar se o filme é uma tragédia ou uma
comédia de costumes vagos. Também não interessa se Eve, Adam, Ava ou Marlowe,
vampiros há séculos encartados, surgem do vaudeville ou da commedia dell’arte.
O que verdadeiramente salta à vista (e aos ouvidos) é a pulsão irreprimível de
Jarmusch para fazer dos objectos sonoros e dos objectos visuais o corpo substancial
de um filme. Cítaras, alaúdes, guitarras e baixos eléctricos, violinos e
violoncelos, perguntam ao espectador se pertencem ao naipe das cordas ou integram
já o da percussão (Sqrül, Steffen Irlinger, Robert Fernandez). Também os
quadros-cenários fazem uma migração paralela. Todas as salas são atafulhadas de
instrumentos musicais, discos, amplificadores, livros, carpetes, tecidos,
cores, luzes, marcações de cena, locais onde cabe uma cidade inteira, enquanto
a deriva dos noctívagos é feita por ruas, fábricas e teatros vazios, na silenciosa
intimidade de um quarto. Suspeito que a história da busca sanguinária pouco
interessou a Jarmusch (excepto os cálices, a espessura do sangue, o brilho das
pequenas garrafas metálicas). O que é fundamental no filme é a estrutura da
cena e a intensidade dos sinais. Talvez só em «Dead Man» (1995) tenha oferecido
à banda sonora de Neil Young um estatuto esteticamente tão abstracto. Os filmes
de Jim Jarmusch, e em especial «Só os Amantes Sobrevivem», pertencem ao cinema
«musical» como os de Stanley Kubrick, Wim Wenders, David Lynch ou Abel Ferrara.
«Só os Amantes Sobrevivem» (Only Lovers Left Alive) de Jim Jarmusch. Com Tilda Swinton, Tom Hiddleston, John Hurt, Mia Wasikowska, Jeffrey Wright, Slimani Dazi. Grã-Bretanha / Alemanha, 2013, Cores, 123 min.
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