Para quem não conheça a escrita de Filomena Marona Beja e, em simultâneo, tenha alguma dificuldade em descobrir uma rua ou um monte através da análise de uma carta, prepare-se: a tarefa não é fácil. Principalmente na leitura do mapa de «O Eléctrico 16».
No centro desse mundo
cartesiano está uma casa na Madre de Deus ocupada pela história central de
quatro mulheres: Arlete, Helena, Yolanda e Joana, mães e filhas. A linha das
ordenadas é identificada pelo trajecto do eléctrico que vai de Xabregas a Belém.
Nas abcissas está o percurso desde 1938-1943 (a construção do «bairro social»)
até à perspectiva de localização do novo aeroporto de Lisboa, passando por 1958
e pelas viagens realizadas por Humberto Delgado durante a mais famosa campanha
eleitoral em Portugal. No
eixo dos zz’ estão os edifícios: o liceu D. Filipa de Lencastre, os cafés do
Poço do Bispo, a célebre escola de Mestres, ofícios e operários, Afonso Domingues.
Também lá vemos cinemas, fábricas, quintais, jardins.
A autora reflecte a
emotividade da narrativa através da ocultação de sujeitos, por vezes até de verbos,
dando espaço aos pormenores, numa linha semântica de aparente ausência de
descrição-narração. Ou seja: escreve sem palavras, preferindo o uso de pequenos
traços e sinais, como uma arquitecta que desenrola perante o leitor alçados e
memórias descritivas.
A Lisboa neste livro é encantadora e nostálgica, assumindo para metáfora
inicial o mundo florestal de Monsanto e para metáfora final a memória de uma
amoreira sem vocação de futuro.
jef, agosto 2013
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