sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Sobre o filme «A Vida de Adèle: Capítulos 1 e 2» de Abdellatif Kechich, 2013













Onde jaz o sorriso de Adèle?

Já tínhamos compreendido com Pedro Costa («Onde Jaz o Teu Sorriso?» 2001), este através de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub («Sicilia!» 1999), que a beleza está, justamente, nesse fotograma perdido que revela (ou esconde) o trejeito de um sorriso. Parece-me que essa capacidade estética de sublinhar ou desvanecer a sombra de uma imagem é o verdadeiro sinal contido na arte maior. Expor a intimidade como arte (pública) sem que seja revelada, sem haver devassa, fazendo antes do espectador cúmplice e devedor de uma ideia, é ética que nem todos os realizadores se podem gabar. Tal como Pedro Costa, mestre superior nessa demanda («No Quarto da Vanda» 2000), Abdellatif Kechiche consegue filmar uma refeição familiar sem a exibir (e o que há de mais íntimo que um cuscuz de peixe partilhado por amigos em tarde de fim-de-semana? - «O Segredo de um Cuscuz» 2007). Filmar um sorriso, uma lágrima, um jantar de esparguete à bolonhesa, a sesta sonolenta de uma criança ou uma relação sexual, tornando o público “protector” desse fotograma encoberto, é coisa rara, coisa difícil para actores e para quem tem a câmara em acção. Também para quem o idealiza e lhe realiza a montagem. Abdellatif Kechiche é absolutamente rigoroso na escolha ética do fotograma a esconder. Também as actrizes Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux são absolutamente intransigentes na assunção da partilha dessa beleza oculta.
jef, dezembro 2013

«A Vida de Adèle: Capítulos 1 e 2» (La Vie d’Adèle – Chapitres 1 et 2) de Abdellatif Kechich. Com Léa Seydoux, Adèle Exarchopoulos, Salim Kechiouche, Aurélien Recoing, Catherine Salée, Benjamin Siksou, Mona Walravens. França, 2013, Cores, 177 min.

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