terça-feira, 29 de novembro de 2016

Índia de papel













– Vamos lá a marchar! Para a frente é que é o caminho, rapidamente e em força! Porte atlético, cabeça erguida, peito para fora, barriga para dentro. Estandartes ao alto, a Nação no espírito! Agora, chegados à fronteira, não é possível hesitar. Recuar é a morte, a afronta, a desonra!
Costumava dizer-me ao pequeno-almoço, frente a uma boa fatia de pão de centeio barrada de banha e açúcar, o metal da caneca a transbordar de café negro a escaldar os dedos, o meu tio-avô, coronel quase general de uma Índia tomada por convalescença, bebedeiras e malária, guerras e epidemias, muito chá, sarapatel e vindalho. Um tom vermelho no hálito matinal, o fumo de um charuto vogando entre comissões de serviço na selva e histórias de nativas desaparecidas, porventura devoradas. Elefantes esforçados na rechega da madeira. Templos invadidos por botânicas esfaimadas a esconder falos amantes e donzelas por eles ansiosas. Um relance de cumplicidade máscula e sóbria no olhar que divagava sobre a linha do horizonte invisível e desgastado pelo suor, em contraluz. Bigodes fartos e grisalhos, calções de investida, pingalim e botas cardadas. Um tigre a vigiar sobre o ombro, sobranceiro e forte. Na sombra. Pronto a saltar, logo que o comando da metrópole o permitisse!
Era um tio-avô de nome Venâncio Anselmo de Matos Salomão Noronha de Albuquerque e Sá que, diga a verdade verdadinha, nunca cheguei a conhecer mais gordo!
Raios partam os livros! Malditas paisagens de papel!


jef, novembro 2016

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