quinta-feira, 16 de junho de 2016

Sobre o filme «Asas» de Larisa Shepitko, 1966

















«A única galinha empalhada do mundo», refere Nadezhda Petrukhina (Maya Bulgakova) olhando o animal, enquanto se passeia pelo museu. Ali se expõem, juntamente com despojos de mamutes, o seu nome e a sua imagem como aviadora-heroína soviética na Grande Guerra. Agora Nadya é directora de uma escola e pede alguém em casamento. Ri.

Com este filme, Larisa Shepitko acaba de vez com o neo-realismo ou com o realismo-socialista ou com a aproximação a qualquer outro realismo.

Tal como a Nouvelle Vague usou a paixão pelo cinema americano, Hitchcock em particular, para realçar o existencialismo e atribuir às personagens a sombra de ícones modernistas, aqui o humor truncado surge em permanência na figura austera da directora da escola. Um Senhor Hulot trágico-cómico consciente de que a vida raras vezes leva ao lugar certeiro mas que transporta, por hipótese, uma brisa de mudança. Talvez apenas um sorriso.

A cena em que, sob o calor, tenta lavar os frutos que transporta nas mãos mas a torneira não colabora e, logo depois, é encharcada por um forte aguaceiro, é o belíssimo exemplo! Enquanto todos fogem, Nadya sorri e apresenta os frutos à chuva.

É um filme sobre a resistência ao tédio,
sobre um certo modo de olhar o dia-a-dia,
sobre o poder da liberdade e da esperança.

jef, junho 2016

«Asas» (Krylya) de Larisa Shepitko. Com Maya Bulgakova, Sergey Nikonenko, Zhanna Bolotova, Pantelejmon Krymov. URSS, 1966, P/B, 85 min.

Sem comentários:

Enviar um comentário