Tudo o que brilha! Tudo o que brilha!
Tudo o que falta está para além, para lá dos dois ou três
metros da exacta focagem. Tudo o que resta é a morte ou é a vida ou é essa
película indistinta que as separa. Desfocado. O horror é demasiado para ser
colocado directamente sob o olhar do espectador. O importante é estar perto,
muito perto. O importante é a resistência. Também a acção e os movimentos de
Saul Ausländer.
Auschwitz, Polónia, 1944. Os soviéticos avançam sobre Cracóvia.
Os fornos já não dão vazão à massa combustível e a morte a tiro nas valas
comuns é apressada e ineficaz. As cinzas atiradas às águas do rio é um método
desorganizado.
Contudo, existe um corpo que tentou resistir à fúria da «Solução
Final» e ao «Zyklon B». A esse corpo chamou Saul seu filho. Tudo o que falta a esse
corpo é a terra. Tudo o que pode ainda brilhar é a oração.
Mas a oração pode ser vã.
As palavras nela contida e a consciência do espectador não o serão.
Sobre o assunto, Claude Lanzmann, em «Shoah» (1985) e «Sobibor»
(2001), demonstrou que uma palavra focada pode honrar a vida ou a morte de 6.000.000
de imagens perdidas.
«O Filho de Saul» (Son of Saul / Saul Fia) de László Nemes, 2015. Com Géza Röhrig, Levente Molnár, Urs Rechn, Todd Charmont, Sándor Zsótér, Amitai Kedar, Uwe Lauer. Hungria / EUA, 107 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário