Ondas Gravitacionais
[Ainda os planetas. Onde assentamos os passos e a gravidade.]
Escrevo a Mercúrio.
Como uma letra chinesa, Mercúrio é mais do que um vocábulo. É
um mito. E um mito é um símbolo, um sinal. Um modo de nos entendermos ou de nos
desentendermos.
Hg. Hidrargírio, prata líquida segundo os antigos. Número
atómico: 80. Massa atómica: 200,59. Invulgar elemento líquido quando a pressão
atmosférica e a temperatura são as que nos atingem. Diz-se romboédrico quando
cristaliza, em condições inauditas. Em tempos idos, gostou da arte de espelhar e
dos termómetros. Faz agonizar o ouro.
Planeta também é, a rodar sobre si e em torno da estrela. Elíptica
translação do mais pequeno planeta do nosso sistema. Diâmetro equatorial de
4.879,4 quilómetros. Tão perto vai do Sol que leva apenas 87,9 dias de
revolução sideral. Dos nossos dias entenda-se, dias da Terra, o terceiro
planeta. Pobre, que nem direito tem a nome divino.
Mercúrio é deus romano mas de brilho fosco quando olha por cima
do ombro e vê no espelho a sombra do grande grego, filho de Zeus e irmão de
Apolo, Hermes o seu nome. Deus do comércio, dos viajantes, das encruzilhadas.
Hermes, sim um grande mito a roubar rebanhos a seu irmão, a inventar harpas e
siringes. De caduceu em riste! Triste Mercúrio sempre com o outro na
comparação. Deus também, dos mercadores, dos ladrões.
Mesmo assim, leva as mensagens e traz notícias de Júpiter. Anuncia
guerras. Quantas vezes terão degolado o mensageiro das sandálias aladas pelo
sangue no punhal que o lacre transportou?
Mercúrio, deus-símbolo de uma posta-restante ancestral. Agora
privatizada.
Por essas e por outras, disse-me ele que não é bom olharmos
para trás pois podemos entender o que temos pela frente. Espelho fatal! Quem
consegue ver por cima do ombro o que já foi, presume que caminha sobre o que ainda
está por ser. Mas espreitar a rota do passado e ver a sombra de Hermes… O
abismo surge a qualquer instante, e o infinito, esse negro vão de escada a
esconder o que seremos, engolir-nos-á de modo instantâneo. O pudim do cosmos.
Mas o futuro, como tu, Mercúrio, é apenas um sinal, um
símbolo, qualquer coisa que apenas indica o desejo.
Uma letra chinesa sem possibilidade de identificação. Pelo
menos, por agora.
E a repercussão desse olhar na esquadria do espaço provoca
ondas que ficam a vibrar tempo demais. Essa atracção ou repulsão no espelho sideral
não deixa nada indiferente.
Por vezes é uma pequeníssima vibração imperceptível.
Mercúrio, falaram-te algum dia das Ondas Gravitacionais? O poder
das massas quando ultrapassam as leis comuns da gravidade e da junção energética.
Uma coisa que é ouvida agora mas que vem do antanho, quando a matéria-anti-matéria
de dois buracos negros se fundiram nos tempos que a memória não compreende. Como
um ralo de banheira centrifugado pela força de Coriolis, a deixar o pano das
abcissas e das ordenadas a tinir por muitos anos e bons.
Estranha a influência do passado que é o nosso futuro, por só
escutarmos as ondas neste momento preciso. Fantasia ou desejo de Einstein?
Mas se o desejo pode ser tudo, até representar a qualidade de
quem espera, então não representa o futuro, o desejo é o próprio futuro. Futuro
como qualidade de Esperança, não te parece?
Caríssimo Mercúrio, escrevo-te.
Coisa estranha essa de enviares mensagens que podem liquidar ou
exaltar o porvir do Cosmos. Esse perfume gravitacional que, de tão forte e
poderoso, altera até o modo como o eixo do Tempo se inclinará.
Quantas mensagens de batalha súbita enviaste através das
ondas do passado?
Quantas mensagens de lençóis trocados por Júpiter transportaste
tu sem a capciosa Juno saber?
Quantas marés gravitacionais estarão ainda para chegar?
Terás deixado no infinito alguma mensagem escrita pelo teu
próprio punho, Ó deus dos ladrões e dos sinais chineses por identificar? Talvez
de guerra ou traição…
Alguma de Amor, essa inequívoca lei da atracção universal das
massas?
Escuta, Mercúrio, o que Einstein nos diz:
«Na complexa estratégia gravitacional dos planetas, não basta
atrair, é fundamental influenciar!»
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