sábado, 27 de fevereiro de 2016

Sobre o filme «Stalker» de Andrei Tarkovsky, 1979















O som vazio ou o modo de acreditar.
A chama genial de Tarkovksy está no modo em como concretiza uma ideia, por mais abstracta que seja. Tarkovsky é o idealista da estética. Experimente ouvir «Stalker» de olhos fechados. Concentre-se no som- música que acompanha, por exemplo, a viagem dos três personagens pela linha férrea até chegarem à Zona. Sobreponha os «retratos» que acompanham tal banda sonora. Estará pronto para ultrapassar a fronteira da Esperança. Tal como Pamina e Tamino devem passar pelo Calvário de provações e privações, proposto por Sarrastro, para chegarem à consciência da felicidade, também Stalker quer levar o Escritor e o Professor até à Zona para um certo exame do passado e do presente, devolvendo-lhes a difícil e abstracta ideia de Acreditar. Stalker, o tolo, move-se por gratuito desejo de dar, ou seja, move-se por Fé. Porque a Esperança (ou o Desejo de Futuro) é essa ideia abstracta mas imprescindível criada pela humanidade. Que o diga quem se recolhe em oração na penumbra religiosa de uma catacumba ou de uma catedral; quem resistiu e saiu vivo de Auschwitz-Birkenau, em Janeiro de 1945; quem sobreviveu à tortura e não revelou os nomes dos camaradas; quem ama e se entrega devoto ao corpo amado num desejo ideal de Futuro…
Todas são abstracções. Abstracções fundamentais. A Esperança é um dos fundamentos do homem.
Mas Stalker não consegue levar os outros até lá: «O órgão da Esperança deles está avariado.», chora ele. E é a sua mulher que o redime (e nos redime) numa das cenas mais belas do cinema de todos os tempos. Diz ela lavada em lágrimas e virada para o espectador: «Prefiro uma vida amargurada a uma vida vazia.»
Se escutarmos o carinho com que Andrei Tarkovsky envolve o som dos passos nos seus filmes talvez compreendamos que o nosso dever de Acreditar pode ser gratuito mas não é certamente em vão.

jef, fevereiro 2016

“Stalker” de Andrei Tarkovsky. Com Alissa Friendlikh, Alexandre Kaidanovsky, Anatoly Solonitsyne, Nikolay Grinko, Natacha Abramova, F. Yourna, E. Kostine, R. Rendi. Música: Edouard Artemiev. Poemas de Fedor Tioutchev e Arseni Tarkovsky. URSS, 1979, cores / P/B, 163 min.

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