terça-feira, 17 de novembro de 2015

A honestidade do pecado














A tômbola do pecado ou a honestidade do aleatório.
Saber o que uma esfera contém é uma motivação profissional tão honesta quanto a de qualquer outra profissão honesta. Agora, saber se existe alguma profissão minimamente honesta, isso já é outro problema. Nesse campo, poderemos recordar a frase célebre dita por algum filósofo em alguma conferência esquecida e da qual ficaram apenas uns quantos registos mal copiados e ainda por cifrar. «Atire a primeira pedra aquele que nunca pecou!». Se assim a verdade fosse, teria desabado uma chuva de pedras mentirosas sobre o pobre atormentado que não se decidia a abrir a bola nas duas metades de que era composta. Frederico colocara a moeda de euro na ranhura e rodara o manípulo em 360º. A esfera caíra, colorida e vã, outra metade transparente, no que agora se chamaria receptáculo. Frederico, como uma criança, ficou a vê-la ali por uns segundos, desconhecendo o que continha: um porta-chaves futebolístico, uma pastilha elástica embrulhada em cromo sugestivo, um corta-unhas com a imagem da santa. Apesar de estar viciado naquelas tômbolas, não movia os braços e as mãos pois tinha a cabeça noutro lugar. Pensava onde residiria o lado honesto de uma profissão. Abrir as bolas para testar o seu conteúdo. Nesse momento, Frederico pensava em Valéria, a prostituta de quem se tornara uma espécie de amigo. Não estaria a ser honesto para com o chulo de Valéria, conhecido do bairro desde miúdos. Frederico queria ser o chulo de Valéria e, logo à tarde, oferecer-lhe-ia o que saísse daquela esfera.
E quem ainda não tivesse pecado que atirasse a primeira pedra.

jef, novembro 2015

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