Lamento
Sim, é coisa conhecida. Estranha.
A poesia enche-se
de fenómenos naturais.
Inconsequências meteorológicas
insignificâncias geográficas.
Atmosferas, nuvens, cordilheiras,
luares, oceanos, mares,
estrelas, aves.
Poucos artrópodes.
Um ou outro mamífero
mais estético ou poderoso.
Mas,
poesia à parte,
na realidade, existe
uma calma tensa escondida na face inferior
da superfície do curso médio
de um rio.
Um quase lamento,
talvez choro,
aquoso por incontido,
a correr ao arrepiar das águas.
Uma nostalgia ténue
a fugir para montante,
tão inocente quanto ingénua
por julgar-se infinita.
A nascente.
Só agora a saber-se finita.
Por isso, triste o curso médio do rio
a rever-se já a jusante,
num futuro, lugar incerto por definição,
perdido mar dentro, imenso, reflectido na foz
seja delta ou estuário.
Simbologias. Semiologias. Poesias.
Tudo fenómenos da natureza
e figuras de estilo.
Na realidade,
a realidade do lamento,
talvez de um choro, permanece
desconhecida, alga incompreendida,
oscilando
na face inferior da superfície do rio,
questionando para sempre a turbulência:
vem da estratégia luminosa da nascente
ou pela atracção abissal do oceano?
É esse o curso médio dos planetas
e do resto.
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