terça-feira, 11 de agosto de 2015

Simbiose











A árvore estende os ramos,
alastra-os, afasta a atmosfera.
Melhor, ocupa a atmosfera.

Como aquela película de cinema que,
fotograma a fotograma, 
agora sem ruído nem fumo,
lisa, pura, digital,
sem cheiro, temível,
invade durante duas horas
o volume total do nosso ser.
Andrei Tarkovsky, Pedro Costa, Wim Wenders.

Como a tinta imposta a certas páginas
de certos livros,
quando se apodera de um espaço
nunca antes imaginado dentro da nossa cabeça.
Agora sem pó nem cheiro a cola,
em visualizações electrónicas,
finamente iluminadas,
sem sombra de página,
ou, ao menos, um ácaro invisível
(que devorou um pouco de
Fiódor Dostoiévski, Mário de Carvalho, Boris Vian)
a passear carinhosamente entre os pêlos
nascidos nas nossas falangetas.

Sim, a árvore estende os braços,
espreguiça-se agora,
indiferente ao sentido ou à direcção,
integralmente dominada
pela eléctrica vontade
de uma trovoada virtual que,
no fundo da atmosfera, esconde as radículas
luminosas, simbióticas,
a incendiar a própria copa,
milagrosa.

jef, agosto 2015

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