terça-feira, 21 de julho de 2015

Sobre o livro «Hotel» de Paulo Varela Gomes. Tinta da China, 2014.

 «Elogio a Paulo Varela Gomes ou a Maravilhosa Arte de Espreitar».

Não falo do texto «Morrer é mais difícil do que parece» que abre o Volume 5 da Granta – «Falhar Melhor». Um texto que interrompe a corrida, faz parar, reflectir e conversar. Esse texto parte do princípio mais íntimo da vida e coloca-o à discussão pública no momento preciso em que a zona colectiva se esboroa. Ou seja, publica a coisa mais espiritual e privada do ser humano e eleva-a a «causa política».

Falo de «Hotel», o livro que comprei na última feira do livro de Lisboa, incitado pela curiosidade que o texto anterior suscitou.

«Hotel» é um livro à antiga, daqueles que vão obrigando o leitor a partilhar a própria memória bibliográfica com as linhas que correm sob o olhar. Um livro longo, lento, ensopado numa ironia saudável e indiscreta. Um romance aberto, cheio de temas e pontas libertas, com personagens (ou caracteres, como sugeriria Mário de Carvalho) que entram e não pretendem sair, ficam-se pelo caminho. Um caminho que é o nosso.

Um livro sobre a arte de «arquitectar», sobre a arte de «espreitar». Sinónimos?

Aqui é tratado o «olhar» como objecto na função íntima que tenta o prazer. Escopofilia. Lembrei-me do ícone do cinema «Blow Up» de Michelangelo Antonioni (1966).

Aqui é tratada a «arquitectura» da intimidade, do pormenor, do bem-estar ou do bem-ser. Lembrei-me de «Suíte no Hotel Crystal» de Olivier Rolin (2006), onde são descritos, com o pormenor à la George Perec, 43 quartos de hotel de Coimbra às latitudes menos existentes. Descrições cruzadas pela vida e pela ficção, como tudo o que merece respeito.

Aqui se trata do espaço do corpo ou espaço da memória como «labirinto». Lembrei-me das solitárias escadas sem fim de M.C. Escher ou das conversas sobre «Cidades Invisíveis» tidas entre Kublai Kan e Marco Polo (Italo Calvino, 1972). Um mundo onde o desejo se transforma em hipótese de futuro. Apenas a sua hipótese, repito. Ou o seu olhar…

Paulo Varela Gomes deu-me tempo e inconclusão. E Isso é o mais importante na arte da sinonímia, da arquitectura e do olhar. Uma dádiva insofismável!

jef, julho 2015

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