«Elogio a Paulo Varela Gomes ou a
Maravilhosa Arte de Espreitar».
Não falo do texto «Morrer é mais difícil do que parece» que
abre o Volume 5 da Granta – «Falhar Melhor». Um texto que interrompe a corrida,
faz parar, reflectir e conversar. Esse texto parte do princípio mais íntimo da
vida e coloca-o à discussão pública no momento preciso em que a zona colectiva
se esboroa. Ou seja, publica a coisa mais espiritual e privada do ser humano e
eleva-a a «causa política».
Falo de «Hotel», o livro que comprei na última feira do livro
de Lisboa, incitado pela curiosidade que o texto anterior suscitou.
«Hotel» é um livro à antiga, daqueles que vão obrigando o
leitor a partilhar a própria memória bibliográfica com as linhas que correm sob
o olhar. Um livro longo, lento, ensopado numa ironia saudável e indiscreta.
Um romance aberto, cheio de temas e pontas libertas, com personagens (ou
caracteres, como sugeriria Mário de Carvalho) que entram e não pretendem sair,
ficam-se pelo caminho. Um caminho que é o nosso.
Um livro sobre a arte de «arquitectar», sobre a arte de
«espreitar». Sinónimos?
Aqui é tratado o «olhar» como objecto na função íntima que tenta
o prazer. Escopofilia. Lembrei-me do ícone do cinema «Blow Up» de Michelangelo Antonioni
(1966).
Aqui é tratada a «arquitectura» da intimidade, do pormenor,
do bem-estar ou do bem-ser. Lembrei-me de «Suíte no Hotel Crystal» de Olivier
Rolin (2006), onde são descritos, com o pormenor à la George Perec, 43 quartos
de hotel de Coimbra às latitudes menos existentes. Descrições cruzadas pela
vida e pela ficção, como tudo o que merece respeito.
Aqui se trata do espaço do corpo ou espaço da memória como «labirinto».
Lembrei-me das solitárias escadas sem fim de M.C. Escher ou das conversas sobre
«Cidades Invisíveis» tidas entre Kublai Kan e Marco Polo (Italo Calvino, 1972).
Um mundo onde o desejo se transforma em hipótese de futuro. Apenas a sua
hipótese, repito. Ou o seu olhar…
Paulo Varela Gomes deu-me tempo e inconclusão. E Isso é o
mais importante na arte da sinonímia, da arquitectura e do olhar. Uma dádiva
insofismável!
jef, julho 2015