sexta-feira, 26 de junho de 2015

Sobre o filme “Um Pombo Pousou num Ramo a Reflectir na Existência” de Roy Andersson, 2014















À sombra do coma e do perdão

Para nos aproximarmos do relato de Roy Andersson devemos olhar o belo cartaz do filme. A imagem é retirada da única cena com personagens que não estão em palco, entre o estado de coma e o estado de perdão. Dois jovens deitados na praia acariciam-se. Suavemente. Com tempo. São acompanhados por um possível Grand Danois, enorme e velho que, por fim, enrosca-se junto ao dono, reconciliando o espectador com a vida.

Tudo o resto pertence ao palco fechado e à luz feérica da ausência de fantasia. Os movimentos são curtos, pesados, asmáticos. As caras estão pintadas. As histórias viradas para a espera, para o perdão não retribuído, para a retirada organizada. As cenas devolvem um humor certeiro mas que nem negro é mas cinzento, sépia, verde-centro-de-dia. Melhor, todos os passos lentos devem à dança. Como se os objectos coreografados por Pina Bausch ou William Forsythe estivessem contidos num frasco de formol e colocados no corredor de um «hospital» soviético ou no museu de história natural de algum país censurado. Como se o Jacques Tati tivesse dedicado a sua arte não aos Tempos Modernos mas ao passado por reflectir. Aqui as canções de guerra não sabem a que dia da semana pertencem e os sonhos sobre o abuso da Humanidade não podem ser narrados.

Não fosse a tal cena de uma praia guardada, salvando o futuro, toda a pantomima de Roy Andersson deixaria de merecer o Leão de Ouro para Melhor Filme, em Veneza.

Um filme que não servirá apenas para a reflexão estética e política dos pombos que pelas árvores se encarrapitam.

jef, junho 2015

 “Um Pombo Pousou num Ramo a Reflectir na Existência” (A Pigeon Sat on a Branch Reflecting on Existence) de Roy Andersson. Com Holger Andersson, Nils Westblom e Viktor Gyllenberg. Noruega /Alemanha / Suécia / França, 2014.

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