Que realidade é esta?
Intriga-me o facto de os espectadores entrarem numa sala de
cinema e não desligarem os telemóveis. Quando a sala se enche e não são apenas
dois ou três enormes écrans luminosos a saltar aos olhos da escuridão ou toques
harmoniosos a roubar o silêncio, quando são mesmo conversas que usurpam a fantasia
de uma obra de arte, essa intriga torna-se descomunal. Então quando a situação
se desenrola à frente de «Índia» de Roberto Rossellini, a minha estranheza passa
a questionar o desassombro e até o escândalo.
Os espectadores, hoje, não conseguem desligar-se da realidade
virtual que têm dentro de um telemóvel para se entregarem, diria para se devotarem,
à realidade real de um filme que se projecta, ali e nesse instante. Apenas 95
minutos de encantada realidade daquela Índia. Entenderão o génio dos planos
longos sobre animais, pessoas, rios e monumentos? O Tempo reinventado possibilitando
a reflexão lenta sobre um país múltiplo, uma morte no calor, um voo de abutre? Perceberão
a câmara asinha e em constante movimento que nos leva sempre atrás de uma
história «falsa»? Terão Tempo, esses espectadores virtuais e apressados, para contemplarem a encenação magnífica da realidade que toma de assalto o filme do
princípio ao fim?
Como chegar à verdade senão à boleia da ficção?
Contudo, e apesar da sala de cinema Nimas vibrar de excitação
com os seus telemóveis, dentro e fora de bolsos colaboradores, eu aprendi que
este filme ainda questiona tudo o que se pensa dentro e fora do cinema: jornalismo, documentário e reportagem, ficção e romance, ternura, paixão, tragédia e
comédia. A beleza e a utilidade como princípio sagrado de um povo.
jef, abril 2015
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