Por vezes, gosto de pensar que só existe o Presente
do Indicativo. Imagino um País com uma língua única cujos verbos se conjugam,
invariavelmente, no dia presente. O povo troglodita que utiliza tal linguagem
vive nas cavernas desse País e tem a mania de falar do passado sempre no
momento indicativo. Quando planeia o futuro, em agendas e calendários,
organiza-o sempre no acto contemporâneo.
«Não olho mais para jornais. Não dizem nada que não
deva ser dito e sempre na ordem pela qual os mandam dizer. Dizer por dizer, o
infinitivo é perfeito para a gentalha que lhes paga! Além disso, a crise
obscurece qualquer sinal de alegria. Não só a crise, raios!, principalmente a
imagem que dela publicitam! A imagem que agitam à frente do olhar escravo dos
miúdos que devem partir, dos velhos que devem morrer, das crianças que não
devem chegar, dos cancerosos que não devem tanto despender. O horror do emprego
incerto é o maior incentivo para a criatividade, repetem! Mais vale uma migalha
na minha mão, muito mais do que as mil na mão do patrão. E que guarde bem as
dele pois é daí que sai a minha! O temor do perigo é tão bom para o povo como o
de Deus, de Dom Sebastião encoberto, de Salazar poupado, de Cavaco armilar, do Fado sempre a nascer. Como cogumelos! Ai os transtornos da República que não
nos deixam sossegados.»
«Não me diga que a Caparica, este ano, não está
magnífica! As ondas estão grandes mas suaves, os mergulhos francos, a areia
farta, quente mas sem escaldar. Imagine só: duas filas de barracas e três de
toldos! Um areal dos diabos! O creme nivea nas costas das crianças que vão já a
correr para o mar com os colchões repimpa. As bolas de berlim, fresquíssimas,
as batatas fritas nos pacotes de papel vegetal, maravilhosas. Apenas os
robertos estão, hoje, um pouco esganiçados e nem conseguem levar a melhor sob
as traulitadas que dão na garupa do touro. Por que falam eles um espanhol tão
esquisito? Então logo, sempre estamos combinados para ir às cadelinhas e depois
à sardinhada?»
«A sonda Hergé chega a Marte e entra em prospecção.
Descobre água no sub-sub-sub-solo silicioso. A notícia espalha-se, as águas
agitam-se, os mercados enervam-se. A equipa servo-turco-croata ganha batalha
judicial contra a holding israelo-palestiana, após lançar OPA hostil sobre o
sistema integrado Apolo-Laika, em falência técnica mas sem passivos tóxicos. O
exército especial chega para proteger as diversas equipas que actuam já no
local. Os mais perigosos são os bandos de piratas que exigem dividendos, por
sequestro. Recusam pagar os direitos geográficos impostos pela Conferência de
Sião. Neste momento, grupos violentos “sem-rosto” ameaçam a região: terroristas-hooligans
e católicos-fundamentalistas. Pretendem apenas dólares, pretendem apenas
diversão abstracta. Os países reúnem-se outra vez e não chegam a qualquer
conclusão. Sem esperança, aguardam directivas da Super-Nação.»
«Levam todo o santo dia-a-dia a dizer lengalengas.
Repetem pela alvorada e ao crepúsculo da tarde: “Temos sempre Tebas Damasco
Dresden Tarquínia Hiroxima Bagdad Paris Texas Babilónia Xangai Baku Tróia
Moçâmedes Guernica Corinto Novosibirsk Constantinopla Lourenço Marques Bombaim
Samarcanda Teerão Marienbad Jerusalém Odessa Berlim Cisjordânia Roma México
Lisboa Theresienstadt Alexandria Suméria Nuremberga São Paulo Tóquio […]!”»
Os trogloditas do Presente crêem ser o Indicativo o
ápice da Verdade! Os tolos! Soubessem eles usar o gerúndio…
jef, março 2015
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