[Diz Fernand Léger: «Uma nuvem, uma máquina, uma
árvore, são elementos que apresentam tanto interesse quanto as personagens.»]
Gostava tanto de saber se é possível medir a
realidade da palavra quando dita (ou escrita) de olhos abertos e braços
levantados ou, silenciosamente, bem de perto da volta de uma orelha.
Serão os parágrafos que encontramos dentro de uma
frase longa traduzíveis por plantas e alçados, planos, cartas, mapas ou talvez
rascunhos, caso a ideia ainda não esteja formada, caso a ideia esteja em
pré-palavra?
Alguém me dirá se a realidade da palavra, em
português, na velhíssima ortografia, pode ser definida pelas linhas grossas, a
duas dimensões, egípcias, das telas de Fernand Léger?
Ou se a frase, com estrutura própria, deixará que a revertam em laje, viga, betão armado, aço, cimento, cofragem, na dimensão pura, na característica verdadeira, como se fosse a ideia do pintor?
Andaimes que garantem, pilares que suportam, operários que içam a cabo, roldana e braço. A hipótese de um parágrafo e, com tal puxada, discutir o ponto de aplicação do discurso. Um discurso que dispensa parágrafos. Alavanca.
Sim, como se as frases de um discurso fossem feitas
não de parágrafos, que pouca coisa são, apenas tinta escura em papel claro, mas
de cores primárias, únicas, distintas, determinadas pela força da gravidade que
é multiplicada pela citada massa. Na Terra, 9.8 é a substância certa de cada
uma das palavras. Atracção das massas.
E se as letras de um poema estivessem inscritas nas
cores de Fernand Léger? Caso tivessem dado a Mondrian um ponteiro e um baraço,
ele desenharia a circunferência imperfeita. Como se os olhos de Miró segurassem
o esquadro e o nível e, através destes, admitissem a recta gravidade. Como eu
gostava de conhecer as cores das palavras primárias! [Presunção: as palavras
contidas nas cores primárias são perpendiculares entre si.]
Como gostava que os que escrevem (os que dizem)
colocassem o contrapeso bem medido no equilíbrio da palavra, reviravolta de
ferro aço dentro da viga, cimento acomodado na cofragem. Editando a declaração.
Como eu gostava que as declarações fossem cimento. As palavras, tijolos. As vírgulas, fio-de-prumo. O nível-de-bolha, pensamento. Tudo o resto, o ar, a água, a temperatura, as circunstâncias do nada, ou seja, da vida, ou seja, de tudo.
Eu gostava muito que os poemas fossem de sílica,
calcário, gesso, quando contactam com as circunstâncias. Cimento endurecido.
Não para serem invencíveis, indestrutíveis, irremediáveis. Não. Apenas para o
serem desse modo, e desse modo mudarem, transformando as circunstâncias de que
são devedores.
[Porque o cimento muda as condições em que é
trabalhado.]
As palavras, os tijolos e as suas condições, unidos
pelo ar, a água, a temperatura, a pressão atmosférica. Tudo faz parte da
declaração do poema. O cimento que une os tijolos, as palavras.
As palavras são, deste modo, as condições
necessárias para quem escreve escrever, para quem diz dizer. Mudando as
condições, alteram-se as circunstâncias do cimento, fazendo-as vencíveis,
destrutíveis, remediáveis. Adaptáveis às exigências do tempo em mudança. Por
isso mesmo, cimento eterno.
Porque as palavras, tal como os castelos construídos
com areia na linha da maré, ora baixa ora preia-mar, são prontamente
destruídas, ficando apenas a ideia do que eram. A ideia, talvez sílica,
calcário, gesso ou areia. Argamassa de cimento com areia e água e calor. E por
vezes, armada de aço para que as placas, os pilares, as vigas não cedam às
marés. Mas a ideias também elas são destruídas pelo salitre que é alimentado pelo
mar. Como o cimento (e o ferro das janelas), se forem esquecidas as
circunstâncias e não aplicarem um primário protector como base…
Quem me dera que as ideias pudessem ser apenas ar,
água e calor. Mas as ideias são como o cimento endurecido que, por mais
indestrutível que seja, está sempre pronto a ser derrubado e de novo
reconstruído. A ideia é também, por objectivo e consequência, palavra
reciclada. Recurso infinito, por princípio. [Aí difere do cimento.]
Será então possível avaliar com correcção, em tabela
da resistência dos materiais, milimetricamente, a realidade da ideia quando é
dita (escrita) de olhos bem abertos, de braços levantados, sob a cor primária
de uma bandeira? Ou, quando é escrita (ou dita) ao de leve, de mansinho,
roçando silenciosa o lóbulo de uma orelha?
Serão as palavras «clamor» ou «sussurro» de betão
armado, iguais aos castelos no ar, fenómenos meteorológicos, fabricados pelas
nuvens que o vento modifica a cada sopro? Mas, apesar das circunstâncias
volantes, tais castelos, palavras (e ideias) não continuarão a ser objectos
absolutamente reais?
Não estaremos, assim, perante a realidade de que são
feitos os andaimes de Fernand Léger?
jef, março 2015
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